Thursday, July 16, 2015

Por um ensino de idiomas inclusivo

Nesse novo post contamos com a contribuição mais do que especial do meu amigo e também companheiro de profissão Philipe Araújo. Tive o prazer de conhecê-lo há três anos quando dum evento na Universidade Federal de Pernambuco, no qual ele fez uma apresentação sobre seu intercâmbio acadêmico na Itália. Sempre trocamos muitas ideias em relação à aprendizagem de línguas e demais questões concernentes à nossa área de atuação. Ele tem muito a dizer a respeito.

É com você, Philipe!

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Por um ensino de idiomas inclusivo


O aprendizado de línguas estrangeiras nunca foi prioritário em nosso país. Mesmo no que se refere à língua materna, desde a proibição do nheengatu, em 1758, até o normativismo tradicionalista de nossos dias, a língua da maior parte da população sempre foi proibida, classificada como “errada”, ou cruelmente extinta.
Até a década passada, poderia se dizer que em um país de dimensões continentais como o nosso não haveria necessidade de aprender outras línguas para os mais pobres. Um brasileiro de classe baixa, ou seja, mais da metade da população àquela época, poderia muito bem passar a vida inteira sem precisar aprender uma palavra em outro idioma. Já para os filhos dos barões, é claro, francês era fundamental para as viagens à Europa.
Com a “globalização” do novo milênio, porém, aprender a língua dos donos do mundo virou não somente um must para a classe média tradicional, como necessidade para parcela considerável da nova classe trabalhadora.


No entanto, é triste notar que, a despeito da real necessidade econômica e social de o país se comunicar com o mundo, o governo brasileiro não investe em ensino de línguas estrangeiras para todos. Mesmo o inovador programa de ensino Idiomas sem Fronteiras, com cursos custeados pelo governo em 10 línguas, criado na gestão passada, beneficia apenas alunos de ensino superior e funcionários de instituições federais. Isso num cenário em que mais de 80% dos universitários brasileiros estão na rede privada. Em outras palavras, o governo federal tem oferecido milhares de vagas em cursos de idiomas gratuitos para o topo da pirâmide educacional.
Já nas esferas de ensino público estadual e municipal, responsáveis pelos ensinos fundamental e médio, a realidade é outra. Às vezes faltam professores de línguas estrangeiras. E mesmo quando há professores, faltam condições para o ensino. Salas lotadas, falta de material, infraestrutura precária, tempo de aula insuficiente… A lista de problemas a enfrentar é tão grande, que surpreende alguns professores conseguirem ir além do verbo to be.  


Num país esfacelado pela desigualdade, os ricos aprendem inglês e francês desde pequenos em escolas bilíngues de mensalidades exorbitantes, para desfrutar ao máximo as viagens a Miami e a Paris. A classe média se contenta em colocar os filhos adolescentes nos cursos de idiomas dos bairros nobres.
À classe trabalhadora, estrangulada, com chances remotas de acesso ao ensino superior, e cada vez mais esmagada pela necessidade de comprovar alguma qualificação para lutar por uma vaga de emprego em tempos de recessão, não resta outro caminho senão esses mesmos cursos de idiomas elitistas. Com mensalidades que não raro chegam quase à metade de um salário mínimo e cursos longos, que às vezes chegam a sete anos de duração, não demora muito para que os mais pobres se percebam destituídos do direito de aprender. Se dividir entre o trabalho, a família e as aulas não é fácil. Menos ainda em grandes metrópoles como Recife, onde o trajeto de casa ao trabalho pode levar mais de duas horas.


A atmosfera de desesperança, é claro, atinge igualmente a nós, professores. Somos extremamente desvalorizados, seja na rede pública, seja na rede privada. Cenário comum: numa turma de doze, a mensalidade de um só aluno já é maior que o pagamento que o professor receberá por aquela turma. Se você é aluno de um curso de idiomas, pergunte ao seu professor quanto ele recebe. Chegar a R$30/hora é um luxo! Ademais, a perspectiva de crescimento na carreira é quase insignificante e a liberdade de criar é extremamente limitada.
Aos professores migalhas, aos donos das grandes franquias, novas escolas para lucrar mais a cada ano.


Apesar de tantos problemas, não serviria de nada perder todas as esperanças e desistir. É possível criar para os professores, condições mais dignas, a valorização profissional e o reconhecimento que todos merecemos e a liberdade de planejar as aulas e participar de forma democrática das decisões pedagógicas. Para os alunos, mensalidades justas, que diminuem à medida que cresce o número de alunos. Além disso, a libertadora possibilidade de estudar onde e quando tiverem disponibilidade, e conforme a metodologia com a qual se sentirem mais confortáveis.
É preciso valorizar os bons exemplos. Se você pensa em estudar um idioma em algum curso, leve em conta também quanto ganham os professores. Se você percebeu que faltam professores de idiomas nas escolas públicas, denuncie. A situação só pode mudar quando o problema for reconhecido como de todos nós.


Philipe Araújo é pesquisador na área de ensino de inglês como língua estrangeira e tem certificações de proficiência internacionais em língua inglesa (C1) e língua italiana (C2). Atualmente, trabalha como professor-pesquisador bolsista da CAPES no Núcleo de Línguas Idiomas sem Fronteiras da UFPE. É graduando no oitavo período de Licenciatura em Língua Inglesa. Cursou Didática das Línguas Modernas e Linguística Italiana em intercâmbio na Università Roma Tre (2012), na Itália, obtendo certificação de proficiência em italiano em nível C2 (avançado), reconhecida pelo governo italiano. Em 2013, obteve certificação internacional como aplicador do TOEFL ITP, e no momento atua como aplicador do TOEFL na UFPE. Suas pesquisas concentram-se nas áreas de Didática das Línguas, Língua e Relações Sociais, Linguística Aplicada e Argumentação. Atua também como professor privado de língua portuguesa, inglesa e italiana para jovens e adultos. Participou como voluntário de uma série de projetos de inclusão social e divulga sua produção acadêmica em eventos ligados à Educação, ao Ensino de Línguas, Linguística e Literatura.

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